As casas têm alma
Uma casa é mais do que o mero invólucro opaco e protector da intimidade, dentro do qual uma vida se desenrola. É uma extensão do corpo.
Com o tempo a casa molda-se, ganha hábitos, escolhe e acolhe os que a amam, ao mesmo tempo que define distâncias e se torna fria a olhos indesejáveis.
As casas deixam-se impregnar pelo tempo, que é parte da sua alma.
As casas marcam quem nelas habita. Do mesmo modo, os moradores podem influenciar decisivamente as suas casas. Basta que ambos sejam dotados de espírito e aprendam a ser cúmplices.
Habitar uma casa é uma secreta e íntima relação de reciprocidade. Os mais atentos às pequenas coisas têm por vezes a sensação de que ela é visível.
Mas nem todas as casas possuem uma alma. Nem todos os moradores compreendem o espírito das casas. Vivem nelas, mas não as habitam. Podem ambos permanecer durante anos no desconforto e na estranheza.
A casa de um escritor, a casa escolhida por um escritor, deliberadamente escolhida, faz decerto parte da sua obra. E, como um retrato, espelha a sua vida, para si e para os outros.
As últimas palavras que Garrett terá dito a Gomes de Amorim antes de morrer, agarrado à sua mão, foram «Já não o vejo.» Agarrados à recordação da casa onde essa cena se desenrolou, na Rua Saraiva de Carvalho (antiga rua de Santa Isabel), bem podemos nós dizer também que já não a vemos.
Conseguiremos nós restituir a casa a Garrett? Esse continua a ser o desafio deste projecto. Agradecemos, desde já, publicamente, a todas as pessoas que nos contactaram, declarando a sua vontade de colaboração. Esperamos poder em breve dar mais notícias.
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