Os últimos dias de Garrett (3)
Não posso crer, contudo, que o poeta ignorasse o seu verdadeiro estado; fingiria, talvez, que o não sabia, para não esmorecer os que o rodeavam. O que é certo é que só uma vez, durante tão longa enfermidade, me falou na morte, e isso mesmo rápida e incidentemente: «Se eu morrer, vejam o que tenho cá por dentro a roer-me.» Era a lesão que o matava. Entretanto preparou-se para tudo com uma grandeza e sublimidade de espírito dignas de seu altíssimo engenho, e de seu nome glorioso. Aceitou e recebeu de forma edificante os socorros da religião e da igreja; ora amiúde e fervorosamente, com os olhos fitos numa bela imagem de Cristo Crucificado, memória da sua família, que ainda conservava no pé da cruz uma coroa de flores secas, posta pelas mãos da adorada mãe do poeta.
Em fins de Outubro ou princípios de Novembro pedira eu ao meu amigo o sr. doutor Francisco Martins Pulido, que, a pretexto de visitar Almeida Garrett, o examinasse atentamente para me dizer se com efeito devia perder-se a derradeira esperança. Isto não não era porque eu tivesse a menor dúvida acerca do juízo que da doença formava o sr. doutor Barral, médico assistente; mas porque, não tendo com este relações algumas, receava fazer-lhe perguntas indiscretas. Preparei o doente para a visita de Pulido, dizendo-lhe que ia, não como facultativo, mas como amigo; e condordámos em que se consultaria também a sua opinião. Quando o distinto médico saiu da alcova, logo eu li no seu rosto a sentença, tornando inútil a precaução que ele tomou de me chamar para o vão da janela, a fim de não se dizer diante da filha do poeta a terrível verdade. (continua)
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