Friday, July 28, 2006

Casas onde, em Lisboa (12)

Na primavera do ano de 1849 foi Garrett residir, algum tempo, com Alexandre Herculano, no eremitério da Ajuda.
A propósito disse Bulhão Pato [nas Memórias]: «A serenidade luminosa daquela casa convinha ao estado de espírito do poeta em tal momento. Não podia escolher melhor retiro».
Este agudo estado de espírito do poeta era originado na sua arrebatadora paixão por um Ignoto Deo [a Viscondessa da Luz, D. Rosa Montufar Barreiros], que, então, o avassalava e que deu origem às Folhas caídas, que veio concluir junto de Herculano, conforme escreveu aquele.
Com ele e outros companheiros fazia excursões pelo vale das Romeiras, Carnaxide, Linda-a-Pastora.
Por ali se conservou o poeta até à aproximação do inverno.
O falecido poeta José Ramos Coelho, que foi amigo de Garrett, nas suas Obras poéticas, Lisboa 1910, a pág. 770, alude a esta casa, que, então, tinha apenas um andar. (1)
Ali o procurou em 1852 a fim de ouvir o juízo do mestre sobre o seu primeiro livro de versos e solicitar-lhe um prefácio.
Também Matos Sequeira se refere a esta casa, a respeito da qual consultou o rol dos confessados da freguesia de São Mamede.
Segundo este documento moravam lá: João Baptista de Almeida Garrett; Adelaide de Almeida Garrett, sua filha; José António de Carvalho, criado; Emília Rita, criada; Manuel Alves Torres, criado. Aquele ilustre arqueólogo não conseguiu identificá-la e justifica esta dificuldade: «É de supor que o prédio fosse restaurado ou aumentado, porque não houve meio de encontrar em toda a rua edificação que correspondesse às precisas indicações de Gomes de Amorim. Mais uma desvantagem, a acrescentar às muitas, que trouxe a alteração dos números de polícia».
Antes de Garrett vir para aqui morar «o Salitre era um bairro extremamente solitário», no dizer de Júlio César Machado no seu livro Apontamentos de um folhetinista.
Como refere o mesmo espirituoso folhetinista, este sítio, naquela época, era considerado como perigoso e, apesar de serem baratas as rendas das casas, estas estavam quase sempre com escritos.
Garrett porém, segundo o mesmo autor, escolheu-o, antes de lá residir, com mais permanência, exactamente por ser um sítio isolado, para espairecer….
Aqui transcrevemos as palavras do malogrado escritor, que ali próximo residiu: «Um homem de excepção, que percebia tudo, o grande Garrett, não lhe escapou a vantagem que este sítio oferecia com o seu retiro e o seu isolamento, e saltitou por ali uns poucos de anos, antes mesmo de lá morar, o que só teve lugar no último tempo a sua vida e quando já começava o Salitre a não ser o ponto deserto da cidade. O amável maganão do ilustre poeta – têm estragado por aí tanto os qualificativos, que quando a gente fala do Garrett e lhe chama ilustre, quase que tem escrúpulo de não achar termo mais digno! – tinha sempre por ali alugada ora uma casa, ora outra, como casa de campo, e ia espairecer ali, como em França os senhores do tempo elegante da regência também usavam, em proporções talvez menos campestres e menos pitorescas…»

(1) Ultimamente, segundo escreve o mesmo Ramos Coelho, fôra substituído por um prédio de três andares e passara a ter o n.º 334.

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